domingo, 11 de dezembro de 2011

cadafalso

pode sentir-se em clausura
o que se alberga no aberto.

pode sentir-se acuado
o que à vera só acua.

há de sentir-se disperso
sem o reforço do mesmo.

sentir que é algaravia
essa assembleia de ecos.

pode sentir-se hemorrágico
na arritmia do alheio.

o que do parco assovia
ao que do vasto se arma
a cada pulso o ojeriza.

pode sentir-se desnudo
enquanto o necropsia.

pode sentir o capuz
o que se porta carrasco
e ver-se corda & pescoço
onde só há cadafalso.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

desafio

desaprender a insignificância
- meu desafio.

deixar o que em mim puxa ao silêncio.
calar o que só quer ser da cidade.
erguer o horizonte & me espraiar.

careço de um delírio
longe do sebo em que se unem,
entre cervejas e discos raros,
intelectuais de costume,
em sua troca de agrados,
alheios à rua alheia.

antes vedar a via da arrogância,
crer num sentido além da vaidade,
ater-me a sonhos inda não sonhados.

ah... chegar a praças onde só me saibam
pela escrita - alguns nem lembrem o nome -
sem ter de mendigar quaisquer leitores
às portas da menor biblioteca!

restar no gozo de quem me desfolha
quando há muito já for só volumes!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

as mãos

a mão que detém o soco
é tida como ofensiva
à mão que desfere o soco

a mão que desfere o soco
afrouxa o punho debaixo
da mão que detém o soco

a mão que desfere o soco
aponta o dedo mais largo
à mão que detém o soco

a mão que detém o soco
desfaz o muro pro murro
da mão que desfere o soco

a mão que detém o soco
se afasta, treme e se oferta
à mão que desfere o soco

as mãos que se dão sem gozo
unidas miram de cima
o rosto que abriga o soco

sábado, 29 de outubro de 2011

fuga

estou a escapar pela tangente
sem raio que me centre

em breve

a letra que conduz
à língua que me prende

escapa

a ideia que me prende
à boca que conduz

em breve

sem rede que me enrede
estou a escapar como ar
- capaz!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

de nada me serve

de nada me serve
a crença nos deuses
senão que no crer-lhes
me farto de senso.

a voz que não ergo
por cedos pendores
tão firme se porta
que mal se adivinha.

e só no saber-lhes,
sem ter mais deleite
que insânia ocultada,
me pago o seguir-me.

domingo, 18 de setembro de 2011

Hubble

fosse nos dado ver o que a passagem
deixou saltar para aquém do destino
e que se alberga quiçá nesse etéreo
em que lacramos amanhãs olvidos!

pois para isso sim estamos cegos
e os portais do grão saber são cuias
que adensam poças a borrar o senso
mesmo voltado só para o diante!

e toda espreita se mostra imprestável,
pois não há Hubble que aponte o fora,
não há conceito que evoque o quase,
nem esses versos lhe servem de altar!

sábado, 17 de setembro de 2011

cada poeta tem seu ritmo

e

cada poeta tem seu ritmo como
um punho a ditar-se à bomba vital como
uma ranhura que é jamais revista para
não se perder nesse dizível é
pelo ritmo que se identifica pois
cada poeta tem seu ritmo

e

cada poema tem seu arrimo como
um conforto para a tarde densa como
um mar de contas dado à penitência para
não se afogar nesse inefável é
pelo arrimo que se unifica pois
cada poema tem seu arrimo

e

cada poética tem seu rizoma como
uma ilusão a vicejar certezas como
uma janela frente ao impensável para
não se estancar nesse sigilo é
pelo rizoma que se multiplica pois
cada poética tem seu rizoma

e

cada poiese tem seu limo como
uma mulher tem seus anos como
uma manhã tem seus sonhos para
não se arrogar desse castilho é
pelo limo que se sacrifica pois
cada poiese tem seu limo

e

terça-feira, 13 de setembro de 2011

eu sou estrangeiro...

eu sou estrangeiro

estrangeiro
não de carne ou de mapa
as fronteiras mal barram as palavras

(num toque me faço esparso
e lanço-me inteiro aos cantos)

eu sou de fora
nem de mim trago mais que esse trago

não sou formado
dos cacos
de sempres e nuncas que vagam já
entrecruzados

eu sou estrangeiro

não sou retalho ou costura
tapete que se joga ao sótão e é caro

não sou de cinco minutos
ao pé do noticiário
com o peito a calibrar seu silêncio

- e meu solfejo peca só pela clave

eu sou estrangeiro

ainda que a voz vez em pouco tropece
ainda que papéis garantam o acesso
e o umbigo fomente frutos
num quintal que não mais guardo

estrangeiro ainda

zanzando entre os cordéis
daqueles que portam a estada

estrangeiro
no gueto de um só pária

Pablo

Pablo prefere a poesia reta,
em versos claros sem retoques,
na transparência do real contido.

Sem alusões cadentes nem
sinuosos flertes com
o que fugir lhe possa.

Nada que ostente as saudades que renegam o lúcido.
Nada que aponte o nada nas bordas do sonho.

Pablo prefere a firmeza
(humilde?)
da constatação sem soslaios.

Pablo não é de suportar mistérios;
deve se ter por demais engenhoso
para se ater a mistérios.

- Pois pra mim ele é só irrequieto